terça-feira, 19 de abril de 2011

AURELIANO DE F. PINTO

"Tengo que decir a mis amigos que no estamos solos
y que debemos trabajar para que el mundo sea mejor."
Jorge Calvetti
(1916-2002)




PRESÍDIO MUNICIPAL

Aureliano de Figueiredo Pinto

Do Livro
Romances de Estância e Querência


A um brete, o presídio é igual,
Costeando tourada alçada...
Cada osco, aspa virada,
Com fama no "pajonal",
Na grade, aquele zum-zum...
Índio, branco, ruivo, e algum mais retinto,
Que, poliango, presos por simples fandango,
Culpado mesmo, nenhum...

Na sua lógica bronca, esta prisão já demora,
Porque há tantos lá fora, bons tentos da mesma lonca...
Por que, metidos no ajojo, se os outros bebem o apojo
Da liberdade sem freio,
 Aqui, em ronda e pastoreio, até entristece e dá nojo...

O que matou, peito a peito, nenhum remorso o denigre
Foi peleando, como um tigre, se vendo daquele jeito,
E aquele alí, contrafeito, mulato, a barba caprina
No próprio olhar se condena,
Não ve que ele cumpre a pena pela degola da china!

E o quietarrão? Sempre calado!
Carão fechado de cumba, mais sério que catacumba
É o preso que menos fala, maneado nos pensamentos...
Lembra a madrugada fria, em que, na cama de tentos
Com quatro gritos por prosa,
Ao gauchão que o traia, e a dona que ele queria,
Matou com raiva gostosa...

E os três ladrões de cavalo, que estampas de gauchões!
Indo em curtos intervalos, do extremo sul às missões,
Floriando os pingos alheios, das tropilhas das estâncias,
Têm no peito, em corcoveios, as ganas de um coxilhão,
De ir esbanjando ganâncias, comemorando as distâncias
Com tragos de um borrachão...

Mas este, ladrão de vaca, é mais humilde que os outros!
Com fama em lombo de potros, e mais cantor que baitaca,
um dia, caiu no roubo...
Por proeza de moço bobo, pelo prazer da aventura:
Cada campereada rara, pealando com a lua clara,
Laçando com a noite escura...

Absolvido, este, agora que o promotor apelou,
Supõe que já colocou um pé do lado de fora...
E o seu planito compôs:
Já se imagina, contente, suando, livre, ao sol quente,
Numa lavoura de arroz...

E este aqui?!
Olhos de cobra, papo de sapo,
Batendo com os trinta anos, se vendo, e mais uns meses de sobra
Campeão dos mais altos pontos...
De um rancor frio, e desalmado,
A um pai de família honrado,
Matou no mais, por dez contos!

E o índio com cara de fome, com a bombacha no espinhaço
Com fama de bom no laço, e uns "diz ques" de lobisomem
Entrando os campos por mel, de noite, em desassossegos,
Co'a as pulgas nos pelegos, de ovelhas do coronel!...

E o que fez "pango" em velório, de canha, como uma brasa,
E o outro, o mais grave assunto...
Feriu o dono da casa, matou de novo o defunto
Pois declarou ao perito que era um doutor calabrês
Se vivo fosse o defunto, lá se ia de pé junto,
Porque morria outra vez...

E aquele alto, gadelhudo, com perfil de gavião mouro...
Foi sempre tido por touro, por vaus, por bolicho ou cancha...
Num bochincho dos coiceiros, lanhou chinas e povoeiros,
Com a adaga dada de prancha...

E o criolito ligeiro, mesquinho de um safanão!
Bueno pra encher chimarrão, ou recolher no potreiro,
No balcão do bolicheiro se meteu numa enrascada,
Numa noite sonhadora...
Com sanha..., dez latas de goiabada...

Aguardando a apelação, esse ali sempre risão,
Seu júri foi de alegria, todo mundo meio ria,
Só o Meretíssimo não...
E o defensor, buenachão, com um timbre de garganta,
Provou que o crime, era nada!
Tosou toda a matungada que havia numa bailanta!

Dá uma piedade tremenda olhar tanto índio em castigo...
Cavacos, de cerne antigo, que escorou em paz e contenda,
Da Pátria, a posse tranqüila,
Por algo, se vieram vindo,
De tombo em tombo caindo,
Até o presídio da vila!

*****

"Nas horas da noite morta
quando o pampeiro assobia,
penso que bates na porta.
Vou ver... e o rosto me corta
só o beijo da noite fria."
Aureliano









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