segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

SAUDADE DO FUTURO

Substituindo Pulo Sant'Ana, em Zero Hora, o Promotor aposentado, Jornalista e Apresentador da RBS
Cláudio Brito, escreveu a crônica Saudade do Futuro, na Edição do Jornal de domingo (02.01.2011).
Por considerá-la muito criativa e refletir o desejo dos moradores de Porto Alegre-RS
disponho-me a transcrevê-la, ipsis litteris.

Saudade do Futuro

Sentimento esquisito tem aflorado nestes dias de recomeço. Pode ser coisa da época, passagem de ano,
esperanças que se renovam, apostas. Não sendo mais o jovem de outrora, experimento uma saudade
daquilo que não vivi, saudade não de algo que se foi, mas das coisas que poderia ter visto e não vi. Até aí,
tudo bem, faz parte. O que me sacode demais, no entanto, é a saudade de tudo que vai acontecer e que
não estarei mais aí para curtir. São fatos e circunstâncias que frequentam meus sonhos de uma forma
tão clara que pintam como se já tivessem acontecido.
Tenho saudade do metrô ligando o Centro Histórico ao Beira-Rio, sinto falta dos passeios pelo cais
e dos almoços com amigos naquele restaurante moderno lá da ponta, o último,
quase na Usina do Gasômetro. A Biblioteca restaurada, a Rua da Praia povoada à noite,
o Guaíba despoluído. Tudo isso me dá saudade. Sei que vai ser assim. Não será amanhã,
nem logo depois, mas será assim, sei disso. Quero tanto que seja assim, que visito o futuro nesses
devaneios. Vou com tanta vontade até lá, que, agora, mergulho na saudade de que lhes falo. Nostalgia
do que ainda vai acontecer. Será tão bom ver todas as crianças na escola, todas as comunidades
assistidas, os serviços essenciais levados pelo Estado a todos os bairros de todas as cidades,
que é uma pena estar fora justo na hora em que ficar assim a realidade.
*
Um amigo me disse que de saudade não se trata, mas de anseio, lástima por não viver tanto. Certeza
de que o sonhado não será visto. Precisaria viver mais de um século para sentir o gosto de vitória
sobre as desigualdades. Cem anos ainda seria pouco tempo para ver que a corrupção acabou,
que as vaidades cederam ante o solidarismo que os homens passaram a praticar e que a
criminalidade foi posta em níveis razoáveis, sob nosso controle. Os condenados se emendam, 
não existe reincidência. Acabaram-se as filas nos hospitais, exploração sexual de crianças e
adolecentes é coisa do passado e nenhum ser humano tem fome. É disso que falo,
é disso que tenho saudade. Tão forte é o desejo de ver tudo assim, que é desse jeito que eu vejo. Tudo
em harmonia, tudo como um dia permitiu o Criador.
*
A volta de um sonho me traz saudade, é isso. Quando vi o Congresso devolver dinheiro aos cofres do
Brasil, porque nossos deputados gastaram muito pouco, quando vi todas as obras públicas
custarem exatamente o que deveriam custar, quando os negros e os carentes não precisaram
mais de uma política de cotas para acessarem a universidade, quando não se ouviu mais falar
em desemprego, quando tudo isso aconteceu, tão grande foi a felicidade de todos, que
outra coisa não fizeram que não fosse festejar intensamente.
*
Vai ser assim, vocês verão. Na verdade, quando for assim, outros verão. Talvez ainda nem tenham
nascido os brasileiros que terão a imensa gratificação de viverem em um paraíso. É disso que,
estranhamente, tenho saudade. Se recordar é viver, sonhar também é. Esperar e querer
com tanta vontade é viver o que ainda não aconteceu. É por aí que me chega a saudade. Espero o
melhor dos tempos, experimento todas as coisas boas que nossa gente sempre sonhou com
tanto realismo, que tenho de tudo isso muita saudade. Saudade do futuro, nada mais.


Biguás no Guaíba

Metrô sonhado

Guaíba e Beira Rio

Pôr de sol no Guaíba, despoluído.

Rua da Praia, à noite.

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